quarta-feira, 27 de junho de 2007

Sofia - Parte VI

Mudei de idéia, Sofia. Não vou mais correr contra o tempo nem em adiar o juízo final. Outro dia você tornou a me perguntar, porque eu insisti que repetisse, o que era mais importante na vida. Confesso que quase me escapuliu um rebelde e péssimo título de livro; qualquer termo que fizesse menção ao imenso amor que lhe tenho. Preferi dizer-lhe que não responderia a um tipo de pergunta como essa. “Não agora pelo menos” – reiterei com surpreendente firmeza.

Agora digo, Sofia, como quem não quer dizer nada, quetalvezparamim, o que há de mais importante na vida sejam as idéias ou mesmo os ideais - Baudelaire diria à votre guise. Eu sempre preferi o masculino. Gosto daquela sua última idéia de ser pó de estrela mais que a da fábrica também. E é às idéias que eu mais dedico o escasso tempo que hoje me sobra.

Quando me toma a pergunta sobre o que deixarei para a posteridade, eu só consigo pensar em como torná-las – a pergunta e a posteridade – o meu próprio dia-a-dia. O meu dia-a-dia, Sofia...eu me pergunto como não interrompê-lo

como ser vela
e também leme
ser remo
e ser fermento

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Sofia - Parte V


A modelo, descalça, com camisa patriota (da copa de 70, se não me engano) chamava-se Sofia e, assim como não tinha escova de cabelo, não tinha sobrenome. A pobre só escutava os conselhos de seu cavalo Macaco. Era mais feliz.


Você sonhou que cortava o cabelo esses dias, lembra? – Sofia adora respostas e livros com respostas sobre os sonhos que ela teve. "Mais que bonito!" - repliquei. A mim, para quem tudo é rodas gigantes e montanhas russas...parece-me tão divertido bailar aos sonhos de outrem. Não entendo a resistência consensual a respeito dos sonhos. O que mais poderíamos fazer com fantásticas fábricas de chocolates senão voltar os olhos em direção aos grandes portões dos castelos e fazer que sim?

O mais divertido é que o ímpeto que tive, no momento em que ela arriscou narrar os desenhos do inconsciente, foi de dizer "Não! Por favor, não. Eu quero a moça de cabelos longos! "As meninas todas agora querem cortar o cabelo. Vai que você resolve cortar também? Tolir seus fios de ouro de bailarem ao vento de anil? Eu não quero, eu não deixo. Mas que diferença isso faz?

Acho que não tem mais jeito. Cuspido no céu e inferno cosmopolitas, o desejo de tornar-me fazendeiro morre sempre no terceiro dia. Subir aos céus e sentar à direita do todo-poderoso? Eu queria voar, Sofia! Talvez já tenha mesmo vencido o meu prazo de validade. Quem existe de verdade teme que a redenção seja um tédio.

Dope
Poesia
Ou amor por caridade
Desta vez, Sofia
Parece não ser remédio.

domingo, 17 de junho de 2007

Sofia - Parte IV


- Bento, bento é o frade
-Frade!
-Na boca do forno!
-Forno!
-Tirar um bolo!
-Bolo!
-Farão tudo que seu mestre mandar...
-Faremos todos!
-Se não fizer...
-Levaremos o bolo!

Eu estava às voltas com aquele meu Ensaio sobre como adiar o juízo final e resolvi parar um pouco para escrever-lhe. Eu vou ter tempo de sobra quando ele chegar. Apenas tenho de fazer bom uso. Time goes by so slowly for those who wait. Everybody knows Madonna is a liar; a good one. Besides that I just can’t wait. Sonhei com você esta noite. Eu via as sardas castanhas do seu colo pela primeira vez de novo.

Sofia, eu ando sem tempo, eu sei. Você anda tão perdida e eu com conversas de botas batidas toda vez. Você também tem me olhado menos nos olhos e eu sinto falta. I like missing them: the freckles(the word u taught me), sa coup d'œil. Eu gosto de você, sabia? Você tenta me fazer de bobo. Eu me faço. Eu me desfaço por você e você se desfaz de mim! Você acha isso justo, Sofia? Quando foi a última vez que falei em justiça nem me lembro. Mas quem quer ser advogada aqui é você.

Quando vamos entrar na classe média sozinhos e então nunca mais sair, Sofia? Eu vi um sofá divino outro dia. Ele tinha espaço para cinco ou seis Tias Délias, o que me pareceu bastante adequado. Você diz que eu devo fazer as unhas. Talvez não seja má idéia. Outros caras o fazem e elas são todas irregulares mesmo. Quando a podóloga – a especialista no assunto pra quem não sabe – vier com aquelas parnafernálias que a gente vê nos filmes eu não terei dúvida: Quero quadradas. Tudo quadrado!

terça-feira, 5 de junho de 2007

Sofia – Parte III

Já falei sobre o dia em que Sofia sentiu ciúmes? Ah. Não me venha com esse papo pós-moderno de novo. Ela sentiu ciúmes, sim. Enrubesceu-se tanto que ficou quase como quando nos beijamos escondidos à meia luz da 1º de Março. Eu me lembro bem, era uma segunda-feira. Tentamos umas três exposições, mas nenhuma parecia estar ainda aberta ou em cartaz. Eu comprei umas poesias na porta de uma delas pela metade do preço e por pura piedade. Não conseguiria admitir empatia pelo rapazinho de barba, mesmo se os versos dele valessem alguma coisa. Fomos até o fim da rua estreita de pedras portuguesas e tomamos três ou quatro copos de Salinas.

Aqui estou eu emendando um assunto no outro. Falava sobre o rubor na pele branca de Sofia. Ela tinha os olhos tensos; o olhar era praticamente o mesmo – surpreendi-me. Foi a primeira vez, desde as juras de amor, que eu me senti desconfortável ao seu lado. Não sei o que temia, ou se tremia – não me lembro. Pensei em levar-lhe uma lembrança. Lembrei que Ovídio, latino de 43 a.C., registrou em um de seus romances, a título de premissa principal, que um infrator não deve se mostrar culpado além do suficiente. Sabe-se lá se ele estava ou continua certo. Todo mundo entende que, em nosso tempo, delegam razão a Freud, gregos e liberais.

Por via das dúvidas, concedi a Sofia meu mais terno abraço o tempo que bastou para que ela se convencesse da gaze e do esparadrapo. Eu cobri sua ferida infantil com beijos e merthiolate que não arde. Ela se escondeu na caverna, bichinho do mato no inverno. E ainda fez bico! Olha, mas vejam só. Então eu disse, como dizia o meu avô, que iria pôr o seu bico no feijão! De manhã, ela saiu cedo do edredom esconderijo e me trouxe café na cama. Sofia aborreceu-se com a minha lentidão ao acordar. Resolveu descontar no cinzeiro. Eu já disse que Sofia fica linda quando aborrecida?

...

Já havia enviado a última carta à Cecília. Sinceramente, não faço idéia do que me ocorreu. Conheci seu atual namorado, um cara bacana. Tirei foto com a nova família (eles vão se casar) e parecia tudo tão normal. Eu poderia me sentir como Sofia cantando baixinho Comfortably Numb depois da notícia.

Triiiiiiiiiiim: "Sofia, liguei para Cecília e disse que a amava como quem tem o amor no CTI. Ela descartou a metáfora e disse o mesmo. Estava dirigindo, tinha uma reunião em seguida".

Desliguei o telefone e chorei bastante – o que não precisa ser dito a ninguém, OK? – enquanto ia esfaqueando o cordão umbilical à lâmina cega. Embora hoje eu consiga confessar um quezinho de tesão pela tortura, resolvi, quiçá para variar um pouco, por cortá-lo (o cordão) logo e rasteiro. Disparei contra Cecília uma rajada de verdades incontestáveis e de blablabá. Permiti-me, afinal, desfazer-me da condição de atalho. Foi drama, gozo, chama e um monte de sacanagens. Não mentiria se arriscasse dizer que não me sinto triste, nem com raiva, ou com medo um segundo sequer. Emocionei-me, corpo e alma, em acenar e jogar arroz. E não é lindo? Brega, terrivelmente brega, porém lindo.

Mantenho-me coadjuvante narrador. Desfiz-me em verdade e agora me reconstruo ao lado de Sofia, porque assim ela deseja e porque a minha vontade é essa também. Sofia quer dominar o mundo. Ela quer o meu coração. Meu coração, por sua vez, é bom. E tudo o que é bom custa caro. Ora, mais quanta bobagem! Eu só quero ser escritor, fumar o meu cachimbo, salvar a cobiçada, a mal tratada vida – coitada – das tentativas que não dão certo, do que eu não quero por perto, do desleixo e dos meus vícios. Eu sou refém dos meus desejos. Se toda a recompensa para poeta é divina inspiração, nem sempre o fim é assim tão duro. "Seja generoso", costumava dizer um querido professor finado, "Pense bem no que vem antes do THE END".
 
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