segunda-feira, 28 de maio de 2007

Sofia – Parte II

Chegou o dia 30 de junho e eu lhe dei um presente de dois meses de namoro. Resolvi assumir, já que nenhum de nós conseguia lembrar em que ocasião foi dado o primeiro beijo, que o dia em que o nosso amor começou foi o mesmo do meu aniversário, 30 de abril – data em que ela diz ter-se percebido apaixonada por mim. O clichê não me incomodou e eu resolvi tomar o depoimento como verdade para que os dias continuassem transcorrendo como sempre, um após o outro. Eu, de fato, não me ative ao momento, mas a confissão me obriga a uma desculpa convincente.

Desde ainda castos, passamos a pensar o futuro, o próximo e o distante, como se ele estivesse sempre a dois palmos de distância, ou à distância necessária para que pudéssemos vê-lo a ponto de sentir-nos contemplados. O presente fazia jus ao furtivo homônimo que a língua portuguesa fez questão de lhe oferecer. E o melhor dos presentes são as surpresas. Por isso, partimos por aí, bonecas russas da Zona Franca de Manaus, mostrando até que pobre pode fazer biquinho pra dizer "Je t'aime". Isso quando pode. Nobre de cobre que és, plebeu dourado que sou, partimos em busca da possibilidade.

...

Quando então, putas brasucas-holandesas em território alheio, o que será de nossos pecados? Temos pecados pequenos, Sofia; pecados de semi-virgens. O que será de nossos pecados com o passar dos anos e dos ofícios. Sex, drugs, rock'n'roll – they get anyone literally waisted. Temo que algo terrível se perca; e tão grave quanto perder a beleza. Uma pequena perda, nos dias atuais, pode ser como repetir a dose de uma grande ironia fina. Eis um erro fatal: dar a seu inimigo a chance de responder-lhe à altura depois de ele passar horas a fio pensando no que deveria ter sido dito logo na primeira vez.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Sofia – Parte I

Quando Sofia ri, e ainda mais quando ela ri descontrolada, eu digo: “Ufa!”. Não agüentava mais o silêncio em que se passavam as horas antes. Muito embora queira se tornar uma vaca hindu, Sofia compartilha que o Zodíaco não se mostrou muito favorável ao deitar seu Sol em Áries já logo no primeiro dia. Nem depois dos trinta alterar-se-ão mundos e astros: com ascendente estrategicamente posicionado na mesma casa do signo, ela carrega um Karma, a doses pouco homeopáticas de whisky, digno de uma princesa – aspirante à rainha – da mamãe: é a primeira no calendário estelar. Ainda bem.

Mesmo assim, senhora nobre ao fim do feudalismo, Sofia tem alma de anjo, asa dependurada por vôos demasiado altos ou sorrateiros, e um violão. Este último ela toca o tanto e com a freqüência necessária para conquistar qualquer garoto da idade. Natação, montaria, balé clássico, piano – nada que aprontou, ou que lhe foi aprontado, na vida parece mais rápido ou, ao menos, mais verdadeiro que as suas idéias. E ela não tem quase pressa de me contar. O culpado pela ânsia, repentina, made in England – revelou-me logo cedo – é o horóscopo; grande ditador de estripulias e dissabores o qual não consegue viver sem.

O horóscopo da revistinha que vem com o jornal de costume no domingo é a prova de que nem sempre é tão duro ser enganado. Até uma promessa, uma prece, um conselho pode ser bom. Se forem boas as promessas, as preces e as mentiras, elas então viram meias verdades; verdades partidas melhores que muitas por aí. O mundo de Sofia – seus sonhos de menina, maiores e menores desejos – eu torço, e me embriago de esmero quando parece soar sincero: eu torço apenas para que seja bom.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Recado de Sofia a Henri

Desde que descobri o pecado de Eva, nunca mais consegui despistar-me de seu labirinto. Se o preço do paraíso é o pesar, eu pago e saboreio a culpa com equivalente volúpia. E se viver já é, por si só, poder e padecer, eu trato de crescer ao som de poemas recitados por belos jovens como você; isso quando e se eu encontrar alguém que declame a sua altura e com o seu olhar de laguna.

Você toca no meu idealismo, no meu lirismo e nas minhas bobagens, e agulha pano vagabundo como se fosse seda. Você desperdiça o seu mel, para a minha surpresa, sem qualquer menção à economia. Eu torpedeio o seu realismo e você sabe. Você fala até de não saber mais, a essa altura do campeonato, de coisa alguma.

Cecília - Parte 1

A primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor.

É difícil falar da Cecília. É difícil pensar na Cecília de outra forma que não com um sorriso.

Errei na dose. Errei no amor.

Acertei uma flecha no coração dela e, não tardou, ela arrancou o meu. Doeu. Errei, erramos. Não conseguimos, não seguimos nem controlamos. E doía toda vez que não era céu. Quando eu hesitava em desperdiçar o meu mel, ela nem estava mais ligando.

Me apossei de suas pernas e das suas ternas e desesperadas idéias. Me instalei no seu jardim como se eu fosse a flor que toda flor quisesse ser e no lugar em que deve estar uma flor que se propõe a tal.

Dormi e amanheci ao seu lado dias que não couberam no calendário antes da hora de acordar: dei-me, dei-me conta. Estava pronto para virar borboleta e, então, segui no meu casulo de cetim, já que não de seda, como quem rola no chão molhado a ser lavado, como criança, como tudo o que sou e que tenho e que posso; e de tudo que podem as mais belas borboletas, mariposas e até, por que não, as gaivotas? Dei tudo o que sou e que ainda tenho. Eu descobri que nasci para o mundo e não pra mim. E o mundo, agora sim, é meu, tão meu.

E agora os poetas, os cantores e as Cecílias com mil refletores...

E, para a Cecília, apenas o que ela tanto merece: alegria. Se eu puder sussurrar minhas canções de amor de ruim, ou se eu puder me envaidecer de um suspiro enfim, então nada me falta. E é isso o que espero de nós poetas de meia tigela e das Cecílias sem parafusos: esse fôlego intenso e intruso que transforma, que eleva. E que o nosso amor se sagre da forma que merece ad eternum e daqui pra frente do jeito que for.

Início

Difícil como qualquer outro, este é um início.
 
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